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População Negra e o Câncer - Entrevista com Janaína Santos Paulista

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos mais complexos sistemas de saúde pública do mundo. Os princípios deste sistema garantem aos cidadãos em território brasileiro, em seu arcabouço legal, acesso universal, equânime, integral, descentralizado, regionalizado, hierarquizado e com a participação social na condução de seus rumos sem qualquer tipo de discriminação. Entretanto, nem sempre estes princípios são respeitados, o que suscitou a necessidade de criação de políticas específicas para alguns grupos sociais, dentre os quais a população negra. A Política Nacional de Saúde Integral à População Negra foi instituída pela Portaria nº 992 de 13 de maio de 2009 com o objetivo de “reduzir indicadores de morbi-mortalidade por hipertensão arterial, diabetes mellitus, HIV/AIDS, tuberculose, hanseníase, cancêr de colo uterino e de mama, miomas, transtornos mentais”, além da morbi-motalidade por doença falciforme.


De posse destas reflexões, a Enfermeira Mestre Janaína Santos Paulista desenvolveu, durante a Residência Multiprofissional no INCA, o estudo

no Brasil orientada pela enfermeira Valéria Cunha e pelo odontólogo Fernando Dias, coordenador da Residência Multiprofissional em Oncologia do INCA.


O que te inquietou para a construção deste estudo?


Este estudo é a repercussão de indagações pessoais que se tornaram exponenciais principalmente apos minha vinda para o Rio de Janeiro, com o intuito de realizar a Especialização em Enfermagem Oncológica. Acredito que ele seja o primeiro produto de um amadurecimento profissional e pessoal, visto que antes da Residência, mesmo já tendo passado por experiências que eram ligadas a assistência e pesquisa ao paciente oncológico, não havia em mim o questionamento por questões raciais direcionadas a saúde.

Como consequência de discussões interdisciplinares sobre o SUS no INCA , coleta de artigos científicos que envolviam a temática raça/cor/etnia, descobri a Política Nacional de Saúde da População Negra. Esta nunca antes citada em nenhum meio acadêmico que frequentei, reconhece o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde da população negra, na busca de garantir e ampliar, dentre outras coisas, o acesso e às ações e aos serviços de saúde. Sabe-se que a mortalidade negra é discutida frequentemente em relação a doenças cardiovasculares, causas externas, mortalidade infantil e materna e por HIV/Aids entre mulheres, mas o câncer ainda é pouco abordado. Além disso acredita-se que  há uma carência de informações sobre diferenças de acessibilidade e má qualidade de saúde, que podem colaborar com o quadro da mortalidade dos negros, o que fundamentou o estudou.

 

Quais os principais resultados encontrados?


Os resultados foram discutidos a partir do tipo de câncer abordado: câncer de mama, câncer ginecológico, câncer de próstata e câncer de cavidade oral, visto que estes foram os mais freqüentes entre os autores. Destacou-se que as desigualdades raciais e socioeconômicas refletem nas ações de acessibilidade ao cuidado oncológico, maioritariamente nos casos de detecção precoce. Independentemente do tipo de câncer, formas de diagnóstico e tratamento, é inegável que a raça está associada à dificuldade de acesso, sendo as condições de vida do paciente negro determinantes para o cuidado oncológico.

 

Quais as repercussões dos achados do seu estudo para a prática de enfermagem em oncologia?


Confesso que inserir na equipe de Enfermagem a reflexão sobre a Saúde da População Negra para mim já é uma repercussão positiva do estudo. Há um ano quando comentei a proposta da pesquisa aleatoriamente em um plantão, fui questionada sobre a Política e se não estava “enxergando coisas demais”. Este foi um comentário que me incentivou ainda mais a não desistir em abordar o assunto. Acredito que nós enfermeiros e equipe, temos sempre que tentar enxergar além de uma abordagem técnica correta. O racismo no Brasil desqualifica a importância da política, assim como os profissionais negros na prática diária do cuidado. Meu estudo mostra que não cuidamos com equidade e que as condições de vida do paciente negro são determinantes para o cuidado oncológico. É preciso manter um desempenho em atenuar as disparidades em saúde, buscando melhoria da qualidade do cuidado e ampliação do acesso.



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